Homilia de D. António Moiteiro na Peregrinação Anual ao Santuário de Cerejais - 25.05.2025 | Diocese Bragança-Miranda

  1. A presença de Deus na comunidade (Jo 14, 15-26)

A morte de Cristo não deixará a comunidade desamparada: o Deus invisível tornar-se-á visível, presente, ainda que o mundo O ignore. A primeira leitura dos Atos dos Apóstolos ao falar do concílio de Jerusalém, após a primeira viagem missionária de Paulo e Barnabé onde o Evangelho foi anunciado também aos pagãos, mostra como é necessário construir pontes, conjugar o verbo amor nas suas várias dimensões e superar as dificuldades que possam existir. Só o amor poderá construir a nova Jerusalém, que na linguagem do livro do Apocalipse, é a Igreja, enquanto comunidade e esposa do Cordeiro.

A união com Cristo introduz-nos na vida trinitária: “Eu estou com o Pai, vós comigo e Eu convosco”.

Esta é a grande comunidade de Jesus aglutinada no amor: amor que nos aproxima de Deus e torna Deus presente em cada um de nós. Este amor tem de ser para o mundo e ser sinal revelador (17, 20-22).

Não é fácil perceber esta mística. O Espírito Santo, enviado pelo Pai em nome de Jesus, atuará como Defensor, “Paráclito” e como Espírito da Verdade. Só Ele nos pode levar a uma perfeita compreensão.

Os últimos versículos do capítulo (14, 27-31) constituem uma despedida, com a saudação hebraica “shalom”, desejo de paz: 2deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”.

 

  1. O Jubileu da Esperança

O jubileu que estamos a celebrar exige aos discípulos de Jesus um compromisso sério com a missão da Igreja e a construção de verdadeiras comunidades cristãs. A sinodalidade entende-se não só como um método de trabalho, mas sim como conversão a fim de que o Evangelho chegue a todos. Os elementos penitenciais propostos na Bula do Papa Francisco para a Proclamação do Jubileu deste ano - A Esperança não engana - são a peregrinação, a Indulgência jubilar e a conversão, eixos à volta dos quais deve girar todo o ano jubilar. Peregrinar supõe que nos ponhamos a caminho em direção a Deus e aos irmãos, sendo este o gesto da nossa peregrinação à casa da Mãe de Jesus, o Santuário do Imaculado Coração de Maria, em Cerejais, enquanto a Indulgência nos permite descobrir como é ilimitada a misericórdia de Deus e a nossa necessidade de conversão enquanto Igreja. O perdão quando é recebido não muda o passado, mas pode permitir-nos mudar o futuro e viver de forma diferente, sem rancor, ódio e vingança.

 

  1. A misericórdia no testemunho dos pastorinhos

O Deus cristão é Trindade, que ama e que convida a amar, porque oferece a capacidade de amar. A realidade do Amor trinitário constitui o núcleo à volta do qual se desenrola toda a mensagem de Fátima e a vida dos pastorinhos.

Jacinta: amar a Jesus que sofre

Santa Jacinta manifestou uma sensibilidade profunda diante de Cristo Crucificado, que suscitava nela um intenso amor: ela gostava de beijar o Crucificado como gesto de agradecimento “porque morreu por nós”, dizia. Agrada-lhe dizer a Jesus que o ama (I, 56); por isso, procura a solidão para “estar muito tempo sozinha, a falar com Jesus escondido” (I, 50). Tudo o que eles fazem ou padecem são gestos de amor e, perante as incompreensões que devem suportar, Jacinta diz à Lúcia: “disseste a Jesus que é por seu amor?” (I, 50). Esse profundo amor a Jesus sofredor e ao Coração de Maria traduzir-se-á nos sacrifícios pelos pecadores.

Francisco: o gosto por Deus e a necessidade de O consolar

São Francisco Marto expressou a sua alegria face à contemplação do Anjo: “mas gostei ainda mais de Nossa Senhora. Do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor, naquela luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus” (IV, 141). A alegria e o gozo envolvem-no permanentemente. O pequeno Francisco está tão profundamente penetrado pela beleza do Amor, que foi o que ficou menos impressionado com a visão do inferno, pois o que realmente o afetava era ver-se absorvido por Deus, pela Santíssima Trindade: “nessa luz imensa que nos penetrava no mais íntimo da alma” (IV, 145); dizia: “Nós estávamos a arder, naquela luz que é Deus, e não nos queimávamos. Como é Deus! Não se pode dizer!” (IV, 145).

Lúcia: ser louvor de glória de Deus~

A vida da Lúcia teve uma missão peculiar: transmitir a todos o amor de Deus manifestado no Imaculado Coração de Maria (III, 130). Ela vai desenvolver a experiência da Trindade como amor que se comunica e como Amor que constitui o próprio ser de Deus, no qual ela vai encontrar o seu “mais belo recreio” (M 57). Esse Deus é o único digno do seu amor, e ela deve pagar-lhe com o mesmo amor com que Ele a amou (M 21). Não se trata simplesmente do poder infinito ou do ser imenso de Deus, mas desse “mistério do amor dos Três por mim” (M 44), que nos permite afirmar, com S. João, que Deus é amor; só esse amor “nos pode levar a mergulhar no imenso Ser de Deus, a ser um com Deus” (M 32).

            Este amor trinitário não pode deixar de se traduzir em amor aos irmãos, que se concretiza em gestos múltiplos de renúncia aos próprios bens ou às próprias conveniências em favor dos mais pobres ou necessitados. Se Deus é amor, e se a vida e a felicidade consistem em amar, o pecado consiste em deixar de amar e, por isso, “abrimos uma lacuna no amor” (A 255). A necessidade dos outros e as “lacunas do amor” justificarão o oferecimento da própria vida, para assim travarmos o mal no mundo em que vivemos.

Sob o olhar atento e fixo do Imaculado Coração de Maria, que a nossa adoração não seja apenas com os lábios, mas com o coração.

Imaculado Coração de Maria, sede a nossa salvação.

 

Cerejais (Santuário do Imaculado Coração de Maria), 25 de maio de 2025.

+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro.

 

Fotografia: Nuno Fernandes