Homilia de D. António Moiteiro na Missa do Imaculado Coração de Maria - 24.05.2025 | Diocese Bragança-Miranda
A originalidade da presença de Deus como Pessoa
A esperança cristã manifesta-se, desde o princípio da pregação de Jesus, no anúncio das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam a nossa esperança para o céu, como nova terra prometida e traçam-lhe o caminho através das provações que aguardam os discípulos de Jesus. Mas, pelos méritos do mesmo Jesus Cristo e da sua paixão, Deus guarda-nos na «esperança que não engana» (Rm 5, 5) e proporciona-nos alegria, mesmo no meio das dificuldades: «alegres na esperança, pacientes na tribulação» (Rm 12,12). Exprime-se e alimenta-se na oração, particularmente na oração do Pai-Nosso, resumo de tudo o que a esperança nos faz desejar (cf. CCE 1820).
A Mensagem de Fátima, no seguimento do pedido de Nossa Senhora aos pastorinhos para que rezassem o terço pela paz no mundo e pela conversão dos pecadores, leva-nos à contemplação do amor de Deus manifestado na Santíssima Trindade. A Ir Lúcia dirá que «continuamos a nossa oração olhando para Nossa Senhora transformada em templo vivo da Santíssima Trindade: o Espírito Santo que desceu sobre ela, o Pai que estendeu sobre ela a sua obra, e o Filho que o Altíssimo gerou no seu seio virginal. Este mistério da Santíssima Trindade é a base, o princípio e o fim de toda a nossa oração, de todo o nosso ser e de toda a nossa vida» (M 39).
Tal como os pastorinhos, também nós somos hoje convidados a participar ativamente nesse oferecimento, pois somente a partir da centralidade do mistério de Deus é que o carácter idolátrico e diabólico de tantos poderes humanos que carecem da misericórdia de Deus podem ser vencidos.
O triunfo do Imaculado Coração de Maria
Na aparição de Nossa Senhora, em julho, e depois de mostrar o inferno e as situações infernais deste mundo, é feita uma referência ao Imaculado Coração de Maria para impedir o triunfo do mal. Sobre o pano de fundo do negativo, do perigo do Inferno, ouve-se a voz da esperança: «por fim, o meu Imaculado Coração triunfará» (IV, 177). No coração de Maria condensa-se o amor que não pode ser destruído por nenhum pecado, nem sequer pelo Inferno. Lúcia compreende que esse Imaculado Coração «seria o seu refúgio e o caminho que a conduziria até Deus» (III, 125).
Na última das aparições a Lúcia, em Tuy, vê-se uma cruz de luz: sob o braço direito da cruz, estava Nossa Senhora de Fátima com o seu Imaculado Coração, e sob o braço esquerdo podia ler-se Graça e Misericórdia. Esta imagem é como que a síntese da Mensagem de Nossa Senhora em Fátima: a revelação do mistério da Santíssima Trindade é o amor de Deus derramado sobre a humanidade.
Deus-Trindade e Imaculado Coração constituem o núcleo central da experiência que os pastorinhos tiveram desde o início das aparições do Anjo e de Nossa Senhora. Estão presentes na mesma lógica, no mesmo esplendor, na mesma luz, na mesma beleza. “Imaculado” designa a pureza, a integridade que vive da santidade do Deus trinitário e pascal. Maria é reflexo da misericórdia de Deus e a sua expressão; por isso ela é invocada como a Mãe de misericórdia, a Senhora de Fátima ou o Imaculado Coração de Maria.
A Jacinta antes de morrer, tal como refere Lúcia nas suas Memórias, tinha visto como sua missão ser testemunha da misericórdia. «Já me falta pouco para ir para o Céu. Tu ficas aqui para dizer que Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria. Quando for o momento, não te escondas. Diz a toda a gente que Deus nos concede as graças por meio do Imaculado Coração de Maria; que as peçam a Ela; que o Coração de Jesus quer que, ao seu lado, se venere o Imaculado Coração de Maria; que peçam a paz ao Imaculado Coração de Maria, que Deus a entregou a Ela. Se eu pudesse meter no coração de todo o mundo o fogo que tenho dentro do meu peito, queimando-me e fazendo-me amar tanto o Coração de Jesus e o Coração de Maria!» (III, 131).
Com esta ‘Boa Nova’ mostra-se a glória da Páscoa e reafirma-se que na origem de tudo (e no final de tudo) se encontra a bondade e a misericórdia. Sem banalizar o mal e o pecado, a dor e a injustiça, a tragédia não tem a última palavra, pois há futuro para a esperança «por fim, o meu Imaculado Coração triunfará». Peçamos a graça deste fogo que devorava o coração de Santa Jacinta marto; que esta força encha também o nosso coração de amor por Jesus.
Somos peregrinos para os novos céus e a nova terra
Ponhamos no Imaculado Coração de Maria, nossa Mãe, as grandes intenções que nos trouxeram como peregrinos a este santuário: a paz no mundo, particularmente na martirizada Ucrânia, na faixa de Gaza, no Sudão do Sul, em Moçambique e em tantas zonas do nosso planeta; a vida e a missão do Papa Leão XIV, como sucessor de Pedro, lembrando as palavras da pequena Jacinta, quando os pastorinhos estavam presos na cadeia de Ourém – “Ó meu Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores, pelo Santo Padre e em reparação dos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria” (M I); e o sonho que Deus tem para cada um de nós: sermos comunidades cristãs que coloquem Cristo ressuscitado no centro da sua vida, vivermos a comunhão como sinal visível dessa presença e formar discípulos missionários que saibam dar razões da sua fé.
Cerejais (Santuário do Imaculado Coração de Maria), 24 de maio de 2025.
+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro.
Fotografia: Nuno Fernandes