Homilia de D. Nuno Almeida na Missa de Ano Novo | 01.01.2025 | Diocese Bragança-Miranda
Santa Maria Mãe de Deus
58ºDia Mundial da Paz
Catedral de Bragança, 01.01.2025, 18.00h.
Homilia
“Atravessar a porta do perdão”
1.ª leitura: Nm 6, 22-27; | Salmo Responsorial: Sl 66 (67), 2-3. 5- 6 e 8 | 2.ª leitura: Gl 4, 4-7 | Aclamação ao Evangelho: Hb 1, 1-2 | Evangelho: Lc 2, 16-21
1.No Evangelho deste Dia de Maria e em contraponto com a admiração de todos os que ouviram as palavras dos pastores, Lucas traça um quadro mariano de excecional beleza: «Maria conservava todos estes acontecimentos, meditando-os no seu coração» (Lc 2,18-19).
Há o espanto e a maravilha que se exprimem no louvor e no canto, e há o espanto e a maravilha que se exprimem no silêncio e na escuta atenta e qualificada. Maria, a Senhora deste Dia, aparece a guardar ou a conservar com ternura todas estas Palavras, todos estes acontecimentos que falam e que não podem ser esquecidos. O verbo guardar implica atenção cheia de ternura, como quem leva nas suas mãos um tesouro precioso.
O outro verbo belo, meditar, mostra-nos Maria como que a compor, a organizar, para melhor entender, e para melhor dar a entender. Olhamos para Maria a redigir um Poema, a compor uma Sinfonia, a escrever uma Canção, melodia que fica para a vida inteira surgindo sempre novos acordes, novos ritmos e harmonizações de alegria.
2.Maria preenche este Dia e solta a nossa Alegria, na sua fisionomia mais alta e decisiva, a de Mãe de Deus! Este é, sem dúvida, o maior e mais glorioso título de Maria, assim aclamada jubilosamente no Concílio de Éfeso, no remoto ano de 431, pelo Santo Povo de Deus, mas já assim luminosamente desenhado nas páginas do Novo Testamento.
O Papa Francisco abriu hoje a Porta Jubilar da Basílica de Santa Maria Maior. Contemplamos Maria que, pelo seu «sim maior», abriu a Deus a Porta do Mundo, a Porta da Esperança, a Porta do Grande Perdão, a Porta da Paz. Saudemos, pois, com grande alegria, a Virgem Santa Maria, Mãe de Deus, a mais afetuosa das mães, que nunca abandona os seus filhos. Ela é, para nós, povo peregrino, «sinal de esperança segura e de consolação» (LG 68).
A solicitude maternal de Maria, habitada por uma imensa melodia e harmonia que vêm de Deus, levou o Papa S. Paulo VI, a associar, desde 1968, à Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, a celebração do Dia Mundial da Paz.
3.Celebramos hoje o 58.º Dia Mundial da Paz. “Perdoa-nos as nossas ofensas, concede-nos a tua paz”: Este é o título da Mensagem do Papa Francisco para este 58.ºDia Mundial da Paz. Temos consciência de que todos precisamos de receber e de dar o perdão. Trata-se de um perdão que se pede e de um perdão que se oferece: «perdoai-nos, como nós perdoamos». Comenta o Papa: “Para perdoar uma dívida aos outros e dar-lhes esperança, é preciso que a própria vida esteja cheia dessa mesma esperança, que vem da misericórdia de Deus. A esperança é superabundante em generosidade, não é calculista, não olha para a contabilidade dos devedores, não se preocupa com o seu próprio lucro, mas tem um único objetivo: levantar os caídos, curar os quebrantados de coração, libertar de todas as formas de escravidão”. Na verdade, não somos escravos, mas filhos de Deus. Somos filhos amados, esperados e perdoados, e por isso irmãos e irmãs de todos. É Deus que nos dá sempre e somente irmãos e irmãs!
O Papa Francisco deseja que este Ano Jubilar de 2025 seja uma porta aberta de esperança, em gestos concretos, como por exemplo, o perdão dos pecados e da dívida financeira aos países pobres, com quem os países ricos contraíram uma dívida ecológica; a criação de um fundo global para acabar de vez com a fome e o fim da pena de morte em todas as nações (SNC, n.º 16; MDMP 2025, n.º 11). Podemos replicar, na nossa vida pessoal, familiar, paroquial, diocesana, laboral e social, estes grandes apelos: desarmando o nosso coração, com o perdão das ofensas recebidas; franqueando as portas de nossa casa, para acolher quem mais precisa; fazendo as pazes com alguém que nos magoou; abrindo mão dos nossos direitos à devolução de dinheiro emprestado ou de juros, perdoando dívidas, que outros tenham contraído connosco. Podemos traduzir estes grandes apelos, em coisas tão simples, como «um sorriso, um gesto de amizade, um olhar fraterno, uma escuta sincera, um serviço gratuito» (SNS 18; MDMP2025, n.º 11).
4.O Jubileu abre-se para que a todos seja dada a esperança, a esperança do Evangelho, a esperança do amor, a esperança do perdão. Nunca teremos o nosso coração em paz sem a capacidade de dar e receber o perdão.
É necessário, então, atravessar a “porta do perdão”, entrar na lógica do amor incondicionado e através dela descobrirmos que todos merecem o nosso amor sem reservas.
Atravessar a porta do perdão é passagem obrigatória para se experimentar a felicidade verdadeira. Mesmo se uma parte de nós, onde reina o medo, o juízo, a desconfiança, …, usa sempre todos os meios para afastá-la da nossa vista, a porta do perdão está sempre ali e convida-nos a atravessá-la. Assim, é sempre possível curar, fazer renascer e renovar o nosso relacionamento com Deus, com os outros, connosco próprios e com a vida.
Um conflito familiar provoca feridas que sagram. Uma amizade que se rompe lança tristeza na alma. O perdão, a indulgência e a reconciliação são sempre um nascer de novo. Nunca faltam as dores do parto: sofridas e sentidas por quem dá e recebe o perdão e por quem busca a reconciliação! Então, quando um simples gesto restabelece uma relação; quando uma simples palavra confessa ou perdoa um erro; quando a bondade ilumina um rosto de quem se esperaria desprezo; quando se aceita falar, em vez de se entrincheirar no mutismo; quando se ‘recomeça’ apesar dos fracassos; quando se luta contra a injustiça; quando se perdoa uma dívida, quando se assumem, mesmo com dificuldade, os próprios erros e novas responsabilidades …: é atravessada a porta da reconciliação e a salvação de Jesus Cristo chega ao mundo relacional para o fazer renascer (ressuscitar).
5.Quando ofendemos ou somos ofendidos sentimo-nos mergulhamos na obscuridade da noite, ou no nevoeiro. Esta escuridão da alma repercute-se de muitas formas na vida de cada um, da família e até das coletividades.
Se somos vítimas de injustiça e respondemos com ressentimento ou rancor tornamo-nos vítimas a dobrar. Vem, por isso, a propósito recordar Shakespeare: “Experimentar rancor e desejo de vingança é como tomar veneno e esperar que faça mal a um outro”.
A tomada de consciência de que realmente ninguém é perfeito (todos somos frágeis, pecadores, falíveis e finitos…) e de que toda a gente é melhor do que, por vezes, parece ou aparece aos nossos olhos: abre-nos ao perdão e à reconciliação!
Entremos pela porta do perdão: É a higiene da alma, tão indispensável quanto a higiene quotidiana do corpo. É a passagem da sujidade à limpeza. É a passagem da escuridão à luz. É a libertação do passado para nos lançarmos para o futuro. É a transformação da “memória ingrata” em “grata memória”!
Começamos da melhor maneira o Novo Ano, no colo da Mãe de Deus, Mãe da Igreja e nossa Mãe. Que Maria nos reconduza a Jesus. É Ele a Estrela do caminho deste Povo peregrino. Na graça de um novo ano, a todos desejo um Feliz Ano Jubilar de 2025! Comece em mim e em ti a mudança. Somos todos Peregrinos de esperança!
Senhor, perdoa-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido,
e, neste círculo de perdão,
concede-nos a tua paz,
aquela paz que só Tu podes dar
para aqueles que deixam o seu coração desarmado,
para aqueles que, com esperança,
querem perdoar as dívidas aos seus irmãos,
para aqueles que confessam sem medo
que são vossos devedores,
para aqueles que não ficam surdos
ao grito dos mais pobres. Ámen! (Papa Francisco)
+Nuno Almeida
Bispo de Bragança-Miranda
Fotografia: Ângelo Abelhas