Homilia de D. José Cordeiro | Inauguração do Mosteiro Trapista de Santa Maria Mãe da Igreja | Diocese Bragança-Miranda
Escutar o silêncio do silêncio
Mosteiro Trapista de Santa Maria, Mãe da Igreja, Palaçoulo
23 de outubro de 2024
1. Sonho de Deus
Damos profundas graças a Deus pelo Seu sonho em concretização aqui e agora. Os sonhos: fazem-nos voar alto; cultivam a esperança; desejam a beleza; tornam reais as coisas impossíveis. Sonhar é a voz do amor.
O sonho começou no mosteiro de Vitorchiano, especialmente no dia 3 de julho de 2016, domingo, no contexto duma peregrinação diocesana a Roma e a Montecassino no Ano Santo da Misericórdia. O P. Juan Javier, reitor de Santo Anselmo, convidou-me a acompanhá-lo a Vitorchiano. O grupo de 80 pessoas ficou para o Angelus com o Papa Francisco e voltei a encontrar o grupo dos peregrinos para a celebração da Eucaristia na igreja de Santo António dos Portugueses.
Em Vitorchiamo presidi à celebração eucarística e no final tivemos um encontro com a abadessa, a Irmã Rosario, a Irmã Augusta e a Irmã Fabiola. As Irmãs sonhavam uma presença efetiva em Portugal, por ocasião do primeiro centenário das aparições em Fátima. Precisavam de um sinal, isto é, o convite de um bispo.
Aceitei imediatamente o desafio para esta Diocese que tem como padroeiro o pai S. Bento. As Irmãs pediam um terreno e água. Reuni logo que possível com o conselho episcopal e propusemos 3 lugares: Seminário de Vinhais, Cortiços e Ribeirinha. Enviamos à Abadessa as propostas, mas não foram aceites porque não garantiriam o estimado e estimável silêncio monástico. Então disse que levaria o assunto à plenária da Conferência Episcopal e certamente que haveria algum bispo que as receberia, porque não podíamos perder este enorme dom para Portugal.
Todavia, as Irmãs disseram depois que não queriam desistir deste processo em terras nordestinas. Assim, em vários encontros: retiro do clero em Toro (Zamora), Colégio dos Consultores, Conselho Episcopal, onde foi indicado o Arciprestado de Miranda como possibilidade. Então os Padres deste Arciprestado apontaram três lugares: Palaçoulo, São Pedro da Silva e Genísio.
De 22 a 24 de novembro vieram as Irmãs Rosario e Fabiola. Juntos percorremos os lugares e escolhemos este lugar. Juntamente com o P. António Pires, com o conselho paroquial para os assuntos económicos e 25 famílias realizou-se o resto no longo e decisivo processo jurídico-canónico para a fundação do mosteiro. O sonho de Deus realizou-se e continua.
2. Silêncio e Palavra
O silêncio e a palavra são caminhos de evangelização. Santa Maria Mãe da Igreja é mistério de silêncio. A sua vida é ritmada «do silêncio ao silêncio, do silêncio à adoração em silêncio transformante» (Berulle). Juntamente com ela, São José ama e doa-se no silêncio, sendo a sua linguagem o silêncio (cf. S. Paulo VI).
Aqui podemos ainda experimentar, com as belas palavras de A. Saint-Exupéry, o silêncio do silêncio: «o deserto é bonito... sempre gostei do deserto. Uma pessoa senta-se numa duna. Não vê nada. Não ouve nada. E, no entanto, há qualquer coisa a brilhar no silêncio. O que torna o deserto bonito é ele ter um poço escondido algures por aí».
O Padre Telmo Ferraz escreveu recentemente: «o mosteiro de Santa Maria, Mãe da Igreja está sendo uma fonte que mana e forma um lindo regato de água clara. Muitos vamos. Muitos bebemos e matamos nossa sede. É maravilhoso sentirmos sede de Deus!».
Na verdade, vivemos num tempo delicado e de aridez espiritual, rompendo o equilíbrio vital entre a ação e a contemplação. Por isso, este mosteiro trapista é um apelo permanente à dimensão contemplativa da vida cristã.
Experimentar o silêncio do silêncio crente e orante na hospitalidade do Mosteiro Trapista de Santa Maria, Mãe da Igreja, em Palaçoulo, uma nova fundação do Mosteiro italiano de Vitorchiano é como aproximar-se de uma fonte límpida em território inóspito.
«Quer os homens saiam para a cidade ou trabalhem no campo com os seus tratores, quer o navio entre no porto cheio de turistas ou cheio de soldados, a amendoeira floresce em silêncio» (Th. Merton).
As Monjas trapistas que abraçam a dimensão contemplativa da vida neste esperançoso mosteiro: Giusy, Annunciata, Deborah, Lucia, Irene, Augusta, Maria da Luz, Alice, Margherita, Sara, e agora com as jovens portuguesas, transmitem a Esperança alegre e contagiante de quem é autenticamente feliz. Deus lhes conceda a Sua Paz e o dom de novas vocações.
Todos os dias, cada ação litúrgica celebra-se com sóbria beleza e nobre simplicidade. O dia é ritmado pelas sete orações litúrgicas: Vigílias, Laudes, Eucaristia com Tércia, Sexta, Noa, Vésperas e Completas. O trabalho e o estudo completam o dia, conforme o mote beneditino: ora et lege et labora.
A maior presença de Cister em Portugal, de fundação de raiz, foi no mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, de 1153 até 1833.
Em 1892 ocorre nova reforma – surgem os Trapistas, a Ordem dos Cistercienses Reformados da Bem-Aventurada Virgem Maria da Trapa, agora denominado Ordem Cisterciense da estrita Observância.
Em Portugal, depois da extinção das ordens religiosas em 1834, a Ordem de Cister, os Cistercienses, não restauraram nenhum mosteiro.
A Providência Divina oferece agora a Portugal o dom da Graça de mais uma comunidade monástica, como uma aldeia para Deus. Este oásis de silêncio que é, ao mesmo tempo, uma palavra para o mundo, situa-se no Planalto mirandês, na comunidade de Palaçoulo, Município de Miranda do Douro, Diocese de Bragança-Miranda.
3. Mosteiros, fachos de luz
Dom António Coelho, beneditino, insigne liturgista bracarense e guia espiritual do venerável Bernardo de Vasconcelos, dizia que os mosteiros são: «casas de oração, oficinas de trabalho, escolas de ordem, fachos de luz a iluminar o mundo, focos de amor puro a salvar as almas, fontes de caridade a ungir os corpos, mananciais inexauríveis de que brotaram e brotam ainda e jorrarão sempre sobre a sociedade inquieta caudalosos rios de suavizante paz».
Oração, leitura, trabalho são presença contínua na vida das monjas e dos monges. Efetivamente, «podemos então recordar que no monaquismo cristão o trabalho foi sempre realizado com grande honra, não só por dever moral de prover a si mesmo e aos outros, mas também por uma espécie de equilíbrio, um equilíbrio interior: é perigoso para o homem cultivar um interesse tão abstrato a ponto de perder o contacto com a realidade. O trabalho ajuda-nos a manter-nos em contacto com a realidade. As mãos juntas do monge contêm os calos daqueles que empunham pás e enxadas. Quando, no Evangelho de Lucas (cf. 10, 38-42), Jesus diz a Santa Marta que a única coisa realmente necessária é ouvir Deus, não significa de modo algum que despreza os muitos serviços que ela estava a realizar com tanto empenho» (Papa Francisco).
O Evangelho proclamado e escutado hoje realça a atitude da vigilância, como sinal da prontidão para o trabalho, pondo em confronto o servo fiel e o servo infiel, para concluir: «a quem muito foi dado, muito será exigido; a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá» (Lc 12, 48).
Este é o mistério de Jesus Cristo. A palavra mistério evoca, nos escritos paulinos, a luz inacessível na qual Deus habita. Na revelação deste mistério, Deus manifesta-se tal como é, mostrando-se claramente a todos em Jesus Cristo. Por isso, este mistério é um segredo que Deus quer comunicar a todos e uma vez revelado, o ser humano pode captar de certo modo este mistério, através da palavra e da ação aos seus santos e profetas (cf. Ef 3,4-5) e por meio da Igreja (Ef 3, 9-10).
O mistério não é apenas uma verdade em que se acredita, mas é uma Pessoa que se comunica. Por isso, o plano salvífico é da autoria de Deus, que com plena sabedoria e inteligência deu-nos a conhecer a origem do mistério na sua vontade divina e a realização total em Cristo, porque ao chegar a plenitude dos tempos, Deus instaurou todas as coisas em Cristo. A origem do plano salvação e a sua consequente realização em Cristo constituem o mesmo e único mistério, do qual Cristo é o ponto central do plano salvífico.
Santa Maria Mãe da Igreja, com São Paulo VI e São Bartolomeu dos Mártires, dos quais existem nesta igreja abacial as relíquias, intercedam para a beleza silenciosa deste oásis de paz.
+ José Manuel Cordeiro
Arcebispo Metropolita de Braga