Em tempo de Vésperas - Mensagem de D. José Cordeiro (22.04.2020) | Diocese Bragança-Miranda

Pax!

Na Liturgia da Igreja, as Vésperas estão ligadas com a tarde que concluiu o dia e inicia a noite «a fim de agradecermos tudo quanto neste dia nos foi dado e ainda o bem que nós próprios tenhamos feito» e recorda-se a obra da redenção na liberdade e na partilha.

O título desta mensagem inspira-se ainda no sugestivo e profético livro, Tempo de Vésperas (1971), do nosso estimado amigo Prof. Adriano Moreira. Com efeito, «Na véspera de chegarmos. (...). Mergulhando as mãos no tempo verdadeiro que é o nosso. Cheio de promessas para o dia. Que será dos outros. Filhos das nossas esperas sem fim. Do nosso vazio. Da nossa angústia. Da nossa esperança. Do nosso tempo de vésperas».

Em tempo de vésperas de sairmos do túnel, que atravessamos juntos e nos confinou por causa da pandemia do Covid 19, acelera a mudança epocal? Será que a esta pandemia viral se seguirá uma pandemia de solidariedade e fraternidade na construção do Bem Comum e na promoção e defesa da dignidade da Pessoa Humana? E reforçam-se os valores fundamentais da família, da educação, da sobriedade, da comunidade e da ecologia?

«Está-se a experimentar uma condição nova de tempo suspenso. (...) severa educação à poupança e ao respeito do ambiente, severa porque paga com graves lutos. (...) Creio que os contatos com o círculo das pessoas importantes se intensificaram. (...) A sociabilidade foi reforçada» (Erri de Lucca).

Nestes tempos duríssimos de crise, os transmontanos souberam e sabem dar o seu melhor! Podemos aproveitar esta adversidade para crescer pessoal, familiar e comunitariamente.

 

1. O carinho no acompanhamento aos nossos mais velhos

Em tempos da pandemia do Covid 19, os mais velhos são os mais vulneráveis, tanto em suas casas como nos lares de idosos. Muitos confidenciaram que o maior medo era o de ficarem infetados e de se sentirem sós e abandonados nos hospitais, nas casas ou nos lares.

No pós-pandemia, a linha da frente vai transferir-se dos hospitais para as IPSS’s, que não podem ser vistas como unidades de saúde e onde já se trava uma dura batalha no cuidado com os nossos queridos mais velhos. São cada vez mais evidentes as dificuldades: financeiras, contratação de colaboradores com perfil ajustado às necessidades e outras. Os desafios e as exigências tornam-se cada vez maiores a precisar de maior apoio, investimento e aumento das comparticipações do Estado. O Governo deverá repensar e mudar a atitude, valorizando o setor social e solidário, garantindo condições de sustentabilidade às IPSS’s, que são as primeiras a garantir a salvaguarda de uma sociedade mais justa e fraterna.

É muito vigorosa a reflexão de uma Pastora Batista italiana: «Os mais velhos são os primeiros a serem atingidos pelo vírus e, ousamos denunciá-lo, os menos protegidos na doença. Diante de um sistema sanitário em declive, as primeiras vítimas foram os anciãos: não internados oportunamente ou não apoiados em tempo nos lares de idosos que se tornaram lugares de morte. E isto porque, mais ou menos explicitamente, vivemos num tempo que julga a vida de um ancião menos preciosa que a vida de um jovem. É significativo o caso de um velho Padre que renuncia ao ventilador em favor de um rapaz: gesto generoso de martírio. Mas perguntamo-nos: porque é que pusemos um homem em condições de ter de decidir entre a sua vida e a vida de um rapaz? Se a nossa sociedade pensa que os anciãos valham pouco, são poucos os trocos do tesouro da vida, Jesus não parece pensar assim. E não é preciso muito para compreender: quando morre um ancião, morre a memória, a relação com as gerações. Não morre um ancião, mas uma pessoa, um mundo que deixa um vazio nos laços criados. Uma sociedade que não sabe reconhecer a importância dos anciãos é uma sociedade destinada a adoecer de eficiência, produção, hipertensão» (Lidia Maggi).

Na Igreja em oração, ao lembrarmos a todos, lembramos especialmente as pessoas mais velhas e as mais vulneráveis. Os mais velhos são as nossas raízes e como diz um provérbio africano: «as nossas verdadeiras bibliotecas». Que, pela sua infinita misericórdia, o Senhor venha em vosso auxílio com a graça do Espírito Santo.

 

2. A Liturgia faz a comunidade e a comunidade faz a Liturgia

Estamos em tempo de vésperas para o encontro real e progressivo da celebração comunitária da fé da Igreja.

A terceira e, esperamos, última etapa do estado de emergência nacional, custa mais, mas é necessário para o Bem Comum. Este caminho juntos abre-nos para o IV Domingo da Páscoa, o primeiro domingo de maio, dia da Mãe e dia mundial de oração pelas vocações. Para este dia o Papa Francisco escolheu «quatro palavras-chave – tribulação, gratidão, coragem e louvor – para agradecer aos sacerdotes e apoiar o seu ministério. Acho que, neste 57º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, poder-se-iam retomar aquelas palavras e dirigi-las a todo o Povo de Deus, tendo como pano de fundo o texto evangélico que nos conta a experiência singular que sobreveio a Jesus e a Pedro durante uma noite de tempestade no lago de Tiberíades (cf. Mt 14, 22-33)».

É verdade, como dizem alguns: “todos os sacramentos são ritos”. Sim, mas nem todos os ritos são sacramentos. Por isso nós precisamos dos ritos sacramentais para viver em comunidade e na pertença a Cristo e à Igreja. «O que é de Cristo é mais nosso do que aquilo que é de nós» (Nicolau Cabasilas).

Muitas e criativas foram as formas digitais da celebração da Páscoa anual e semanal. Saudamos e felicitamos os nossos Párocos e as Unidades pastorais pelo seu testemunho de unidade e nobre simplicidade na beleza, fidelidade e dignidade das celebrações. Uma Páscoa inaudita e sentida na cruz florida de Jesus Cristo nossa Páscoa e nossa Paz. Será que tudo nos converge no caminho da conversão: mudar o olhar? Que passos para uma vida nova na Igreja?

Em tempo de vésperas, o Papa Francisco, na homilia da Eucaristia de sexta-feira da Oitava da Páscoa disse-o claramente: «Uma familiaridade sem comunidade, sem Igreja, sem os sacramentos, é perigosa, pode tornar-se uma familiaridade gnóstica, separada do povo de Deus. Nesta pandemia, comunica-se através dos media, mas não estamos juntos como acontece com esta Missa» (...). «Esta não é a Igreja. É a Igreja de uma situação difícil, que o Senhor permite, mas o ideal da Igreja é sempre com o povo e com os sacramentos. Sempre».

Em tempo de Vésperas, enquanto esperamos as próximas orientações da Conferência Episcopal Portuguesa, «com a retomada possível e gradual das celebrações comunitárias da Eucaristia e outras manifestações cultuais» abram-se as igrejas, onde possível, que estiveram fechadas ou desprovidas de acolhimento e que impediram o encontro com “Jesus escondido” (S. Francisco Marto, in Plano Pastoral 2019/2020).

Cordialmente em Cristo nossa Páscoa e nossa Paz.

 

Bragança, 22 de abril de 2020.

 

+ José, Bispo e servidor do Evangelho da Esperança.