Homilia de D. Nuno Almeida | S. Bartolomeu dos Mártires - 18.07.2023 | Diocese Bragança-Miranda

S. Bartolomeu dos Mártires

Alfandega da Fé, 18.07.2023

 

Introdução

Celebramos, hoje, a festa litúrgica de São Bartolomeu dos Mártires, um dos maiores entre os Arcebispos de Braga e entre os santos da Igreja, em Portugal, cujo lema de vida era: “Arder e iluminar”.

Próximo das pessoas e dos sacerdotes, passava a maior parte do tempo em visita pastoral às 1260 paróquias da então vastíssima Arquidiocese de Braga (abarcava todo o Minho e uma boa parte de Trás-os-Montes). Entregou-se também à prática da caridade de forma empenhada, sempre, mas sobretudo durante a peste de 1570 e a crise económica de 1574.

 

Homilia

 

1.“Eu cuidarei das minhas ovelhas” -  diz o Senhor. Cuida através de pessoas com rosto, com nome, com virtudes e defeitos. O Senhor sabe que somos pecadores e que somos frágeis … quer-nos inteiros, que lhe entreguemos os nossos talentos e pecados!

Imitar São Bartolomeu dos Mártires significa ajudar as pessoas de hoje a vencer a dispersão. São muitas as vidas fragmentadas, sem sabor, sem sentido e sem rumo. O Santo Arcebispo desafia-nos a descobrir no Evangelho o sentido da Vida. Ter como centro de tudo a intimidade e comunhão com Jesus Cristo que sempre nos envia em “visitação” para servir os irmãos. Como Maria que “se levantou e partiu apressadamente”!

Apascentar hoje, imitando o Bom Pastor, é ajudar a vencer a solidão. De 2011 para 2021, o número de idosos a viver sós, na nossa Diocese, passou de 18.434 para 19.148, com tendência para aumentar. Grande desafio para todos nós! Grande desafio para os jovens, como convida o Papa Francisco a propósito do Dia dos Avós que celebraremos no próximo domingo. Que os jovens se aproximem dos mais velhos para oferecer tempo e amizade e acolher a sua sabedoria.

 

2.”O Senhor designou 72 discípulos e enviou-os dois a dois”. Assim aconteceu nas duas primeiras semanas do meu ministério em Bragança-Miranda. Juntamente com o Sr. D. António Montes sentimo-nos realmente “enviados dois a dois”. E como foi bom! Não vamos sós! O Senhor vai connosco e quando Ele está nada é banal! Envia-nos o Seu Espírito.

A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos” – é assim hoje! É preciso uma perseverante oração pelas vocações. Pedir a intercessão a São Bartolomeu dos Mártires, ele que tanto se dedicou à formação do Clero a partir das orientações do Concílio de Trento. Pedimos a sua intercessão junto do Senhor, para que continue a chamar e a tocar corações de jovens que aceitem ser pastores à imagem do Bom Pastor. Pastores que libertem de amarras que levem a paz a todos. Que imitando S. Bartolomeu procuremos, diligentemente, ser pastores e não simplesmente atores e muito menos fingidores!

 

3.São Bartolomeu dos Mártires, bispo, que, nascido em Lisboa, na freguesia dos Mártires, ingressou na Ordem dos Pregadores e foi nomeado para a sede episcopal de Braga, onde pôs em prática as orientações do Concílio de Trento, no qual participou eficientemente. Insigne pela integridade da sua vida, empenhou-se com suma caridade pastoral em acudir às necessidades do seu rebanho e ilustrou com sólida doutrina os seus numerosos escritos. Finalmente, tendo renunciado ao ministério episcopal, retirou-se no Convento de Santa Cruz de Viana do Castelo, construído por sua iniciativa, onde prosseguiu a vida austera de simples religioso, dedicado à oração, caridade e estudo, e faleceu no dia 16 de julho, do ano de 1590.

Por enquanto, será desejável que as dioceses portuguesas, sobretudo as de Braga, Viana do Castelo, Vila Real e Bragança lhe reconheçam a importância que, de facto, possui e o sigam como modelo de vida cristã e de prática episcopal.

 

4.Uma nota curiosa é o facto de que a figura do Arcebispo Bartolomeu dos Mártires, homem e religioso do século XVI, contemporâneo, por exemplo de Santa Teresa de Ávila ou de Camões, tivesse merecido a atenção de um autor não particularmente dedicado à vida de santos, como foi o mestre Aquilino Ribeiro (1885-1963), que justifica a sua atenção ao Arcebispo pelo pedido que lhe fizeram amigos seus de Braga “especialmente rotários” e o “enlevo que sempre senti por esse sacerdote”, revelado nas páginas da “palavra burilada e conceituosa que é a Vida do Arcebispo de Frei Luís de Sousa”. Assim nasceu a obra de Aquilino: Dom Frei Bertolameu.

O percurso romanceado da sua vida começa na chegada a Braga, no dia de S. Francisco (que cai em 4 de outubro), em que “dos ouriços a arreganhar começavam a cair as primeiras castanhas longais, e as adegas rescendiam ao cheirinho capitoso do mosto”. Esta passagem nos mostra logo duas coisas: a beleza e originalidade descritiva do auto e a forma romanceada da sua descrição dos eventos, que lê com o distanciamento de alguém que interpreta os dados com os olhos laicos perante acontecimentos em que a motivação do religioso e da atividade pastoral marca o âmago da questão.

Mas perdoemos este distanciamento pela proximidade do fator humano que Aquilino consegue transmitir com invulgar arte. Como, por exemplo, o relato da sua partida para Trento “na segunda-feira de Lázaro, estava em flor o alecrim da cerca e uma pita das capoeiras havia tirado uma ninhada de doze pintainhos, bonitos como anjos”. É neste estilo de ligação entre a ação pessoal e a natureza que Aquilino mostra um arcebispo próximo da simplicidade popular e de uma espiritualidade da presença e dedicação.

O percurso de Frei Bartolomeu em Roma é apresentado por Aquilino com o contraste entre as ostentações curiais e o estilo de simplicidade do arcebispo, que pede para ficar alojado na sua cela de simples dominicano. Para o regresso a Portugal é-lhe disponibilizada uma mula papal de boa estirpe.

Depois vem esta comparação: “Este Frei Bertolameu dos Mártires sai da pena de Frei Luís de Sousa como uma figura do Greco. Ambos, biógrafo e artista sabiam espreitar por igual para o interior dos corpos, por debaixo das pompas oficiais e roupagens terrenas e nos retratos assomam almas.

A figura do arcebispo emerge na sua grandeza humana e espiritual. Ele que, afirma, “a par da sua humildade era um eclesiástico zeloso das prerrogativas do seu cargo”, comparando-o às couves-galegas direitas ao céu, sendo tanto maior a sua elevação quanto mais folhas se lhes apanham”.

 

São Bartolomeu dos Mártires próximo das pessoas e dos sacerdotes, passava a maior parte do tempo em visita pastoral às 1260 paróquias da então vastíssima Arquidiocese de Braga (abarcava todo o Minho e uma boa parte de Trás-os-Montes). Entregou-se também à prática da caridade de forma empenhada, sempre, mas sobretudo durante a peste de 1570 e a crise económica de 1574.

Erudito, sábio e santo, a sua vida fala por si e a sua vasta obra literária tem muito a ensinar aos cristãos e a todos os homens e mulheres de boa vontade.

 

+Nuno Almeida

Bispo de Bragança-Miranda

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Fotografia: Raul Coelho