Festa da Senhora da Serra | Homilia de D. Nuno Almeida - 08.09.2023 | Diocese Bragança-Miranda

Festa de Nossa Senhora da Serra,

Bragança, 08.09.2023

Miqueias 5,1-4
Salmo 13(12),6; Isaías 61,10
Romanos 8,28-30
Mateus 1,1-16.18-24

 

Introdução

Ao longo de nove dias, tanta gente aqui esteve a rezar, a cantar, a louvar, a pedir, a chorar. Tanta gente à volta da Mãe celebrando os mistérios do Seu Filho!

E neste monte uma luz se acende. Neste santuário muitas luzes brilham. É a luz de Jesus, uma luz oferecida pela Sua Mãe. É essa luz que atrai e ilumina tanta gente, também a cada um de nós.

Não há rios só de água. Há rios, muito maiores, de fé e de amor e vêm desaguar na Casa da Mãe.

Nove dias depois, se calhar, é grande o cansaço. Mas é maior a fé. E enorme o amor. A fé e o amor vencem o cansaço. Basta saber, como todo este povo sabe, que, no regaço de Nossa Senhora da Serra, há um lugar especial para cada um, para cada um destes Seus filhos, para cada um de nós. Nossa Senhora da Serra acolhe com amor de Mãe as nossas preces, as nossas lágrimas, as nossas necessidades e as nossas alegrias.

 

Homilia

 

Caríssimos sacerdotes e diáconos

Queridos irmãos e irmãs!

 

1.Nossa Senhora faz anos. No dia de aniversário celebramos o dom da vida e os dons da vida, especialmente o dom da alegria. São João Damasceno exortou, por isso, justamente, numa das suas homilias: “Todos os povos, todos os homens de qualquer raça e de lugar, de qualquer época e condição, celebremos com alegria a festa natalícia do gozo de todo o universo. Temos razões muito válidas para honrar o Nascimento da Mãe de Deus, por meio da qual todo o género humano foi restaurado e a tristeza da primeira mãe, Eva, transformou-se em gozo”.

Na festa da Natividade de Nossa Senhora, meditamos o evangelho que nos apresenta a genealogia de Jesus. Mais uma vez sabemos e sentimos que Maria é nossa mãe e que Deus não abandona nunca os seus filhos muito amados, de geração em geração, um rosário de gerações de Adam até Cristo, de Cristo até hoje, até nós. É, de certo modo, como se Deus também rezasse, passando pelos dedos, amorosamente, as contas do rosário dos seus filhos queridos, de cada um de nós.

Por indizível amor, Jesus Cristo desceu ao nosso mundo, a este mundo que Deus ama tanto, não obstante os nossos erros e pecados. Na sua bela Exortação Apostólica programática Evangelii Gaudium [2013], partindo da lição da Incarnação, o Papa Francisco apontou à Igreja e ao mundo a «revolução da ternura» como o mais belo programa de vida para estes tempos de incerteza, cinzentos e nublados: “Na sua incarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura» (n.º 88). E faz-nos também olhar para Maria com um olhar novo, filial, bem humano, mas igualmente cheio de Deus: “Sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto. N’Ela, vemos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não precisam de maltratar os outros para se sentir importantes” (n.º 288).

 

2.A situação que se percebe na primeira leitura do profeta Miqueias (Cfr. Mq 5,1-4) é a de um povo abandonado à sua sorte, caído por terra sem esperança, órfão de Deus e longe daqueles que partiram para o exílio. É o resto de Israel, um pequeno grupo que ficou, fiel, mas desanimado. A este povo Miqueias anuncia a chegada de um tempo novo em que o Senhor volta para o seu povo, voltam também os irmãos, filhos de Israel, exilados. O Senhor voltará a ser o pastor e a apascentar o seu povo e todos viverão em segurança. Tudo isto acontecerá quando a mulher der à luz na pequena, insignificante, mas antiga cidade de Belém.

Uma mulher é escolhida para sinal e manifestação da promessa de Deus, pastor do seu povo. Uma mulher grávida, que é sempre sinal de vida e de esperança. Esta mulher é, na tradição cristã de Mateus, Maria, a Mãe de Jesus. Uma cidade, pequena aos olhos dos homens, mas grande aos olhos de Deus, é o lugar escolhido para nascer o princípio de uma nova relação com os homens e o início de um novo povo. Ao celebrar o nascimento de Maria, percebemos a revelação de Deus em nosso favor, através de pequenos sinais que não podemos desprezar porque são sinais de vida e de esperança.

 

3.A Igreja é Mãe e é bela se deixar transparecer o seu rosto mariano de ternura e de paz. Como Maria, Nossa Senhora da Serra, que hoje aqui nos congrega, que a Igreja a todos ofereça a ternura que se vê no rosto, nos braços e nas mãos de Nossa Senhora da Serra. Olhamos com devoção e amor para a sua imagem e contemplamos Maria a cuidar ternamente de Jesus. Deles, os dois, Mãe e Filho, assim unidos, não saem “sinais da força”, mas sim a «força dos sinais» do amor humilde e dedicado que nós, peregrinos de hoje, devemos imitar. Só assim, faremos cair os «sinais da força», que andam por aí, e também aqui, instalados no nosso coração, para partilhamos com todos “a força dos sinais e dos gestos” de perdão, de cuidado, concórdia, de festa.

O Papa Francisco, mais uma vez na inesquecível Jornada Mundial da Juventude, pediu que rezássemos e testemunhássemos com a nossa vida a ternura do Evangelho que se aprende olhando para Jesus e para Maria.

Pedimos, aqui e agora, neste dia feliz de peregrinação, de encontro e de festa que o Senhor nos dê um “coração de carne”. Bem sabemos que um “coração de pedra” para nada serve. Não tem vida, não ama. Como nós precisamos, queridas irmãs e queridos irmãos, que a graça do Senhor e a intercessão de Maria nos ajudem a curar a “esclerocardia”, ou “dureza do coração”, pois precisamos de mais atenção de uns para com os outros, de mais diálogo, de mais perdão, de mais ternura e de mais amor.

 

4. Houve muita gente a trabalhar aqui nestes dias: Pároco, sacerdotes, diáconos, religiosas, irmãos da confraria, voluntários …!

Todos os que aqui se encontram são verdadeiramente importantes. É a gente que importa porque é a gente que se importa. É a gente que se importa com Deus, com a Mãe de Deus e com todos os filhos de Deus, nossos irmãos. É esta gente que está e que dá. É a gente que não precisa de ser convidada para ter uma presença assegurada.

Curvo-me, meus queridos irmãos peregrinos, diante da vossa fé, diante do vosso amor. Esta multidão é uma permanente e grande lição.

Amais Nossa Senhora Serra, mas podeis ter a certeza de que Nossa Senhora da Serra também vos ama.

O Menino que Ela traz nos braços tem o nome de Jesus. E, com esse nome, Ela transporta todos os vossos nomes. Ela anota os vossos pedidos, Ela conhece os vossos segredos e necessidades. Obrigado por tanto. Obrigado por tudo. Obrigado sempre.

 

5.Don Tonino Bello, bispo de Molfetta, Itália, grande companheiro dos pobres e operário da paz, um homem que pediu ao mundo para abrir as janelas do futuro, escreveu esta bela oração, que intitulou “Dá à Tua Igreja ternura e coragem”:

Espírito de Deus, faz da tua Igreja uma sarça

que arde de amor pelos últimos.

Alimenta-lhe o fogo com o teu óleo que abrasa de amor.

Dá à tua Igreja ternura e coragem.

Lágrimas e sorrisos.

Faz dela praia dulcíssima para quem está só e triste e pobre.

Atira fora as cinzas dos seus pecados.

Faz uma fogueira com as suas avarezas.

E quando, desiludida dos seus amantes,

voltar cansada e arrependida para ti,

coberta de lama e pó,

depois de tanto caminhar,

leva-a a sério se te pedir perdão.

Não a censures,

mas unge com ternura os membros desta Esposa de Jesus

com as fragrâncias do teu perfume e com o óleo da alegria.

E depois introdu-la,

cheia de beleza,

sem mancha e sem ruga,

ao encontro do Esposo,

para que possa olhá-lo nos olhos,

sem corar,

E possa finalmente dizer-lhe: «meu Esposo». (Don Tonino Bello)

 

Certamente que a nossa Mãe, lá no Céu, está a sorrir. Vós deixais junto d'Ela as vossas lágrimas. Ela deixa junto de vós o Seu sorriso. Ela vai sempre convosco. Voltai sempre ao encontro d'Ela! Amen!

 

 

+Nuno Almeida

Bispo de Bragança-Miranda

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Fotografia: António Rodrigues/Mensageiro de Bragança